sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Finitude e ética

Véspera de fim de ano.
Ano complexo, difícil.
Me fez pensar sobre o tempo que passa e que vai se esvaindo sem que, na nossa sofreguidão pela sobrevivência, tenhamos consciência real do que ele represente e de como o estamos usando.
Ultimamente tenho assistido como profissional muitos casos de terminalidade e uma infinidade de condutas, umas mais, outras menos éticas.
Vejo também um tabú evidente sobre a aceitação dos limites, da racionalidade terapêutica, da experiência da morte como evento natural, incluído na essência da própria vida.
Vejo condutas cujo único objetivo é a satisfação da ansiedade resultante da impotência do cuidador diante de seu limite, diante da sua própria finitude refletida na morte do outro.
É o "fazer tudo", indiscriminadamente, sem sequer ser colocada a pergunta se este tudo faz sentido, se é o melhor, ou mesmo se foi uma escolha do ser humano que temos sob nossos cuidados.
Esta é uma pergunta fundamental e neglicenciada. Varrida para debaixo do tapete como se a simples menção de escolher como morrer trouxesse magicamente influxos negativos.
Mas é numa hora boa que teríamos que deixar claro o que queremos para nós mesmos.
Você, que me lê, já pensou nisso? Já pensou se queria permanecer comatoso, desconectado do ambiente, alimentado por sondas? Se queria, diante de uma doença grave e sem prognóstico, ter a opção de deixá-la evoluir sem medidas heróicas? Se queria ter uma conduta invasiva e dolorosa, mesmo que esta não aumentasse a sua sobrevivência por mais de quinze dias objetivamente? Se queria manter sua consciência ou ser sedado além da dor? Se queria "dormir" ou permanecer vigil até o fim, sem dor apenas?
Era hora que a sociedade começasse a se ocupar do morrer. E falasse sobre isto nas famílias. Deixasse estes temas bem definidos e claros.
Não é fácil para um profissional ou para um familiar tomar decisões sobre terminalidade sem ter estas vontades expressas e até registradas, se possível.
Como médicos, é nosso dever ético nos abstermos de futilidades terapêuticas e evitar ao máximo a distanásia (que assistimos todos os dias em nossos hospitais). É uma praga moderna morrer mal, entubados, sondados e cheios de antibióticos que não melhoram o prognóstico, só a nossa angústia de sermos humanos. E, sejamos claros, é a nossa, não a de nosso paciente que é o sujeito final de nossos esforços.
O ano acaba. Assim como fazemos planos para o próximo ano, esperando que ele seja o melhor possível apesar das dificuldades e fechamos as contas do que foi bom e ruim durante este tempo que passou, quem sabe esta noção de finitude de um tempo nos ajude a refletir.
Nosso tempo aqui é breve. Façamos com que ele seja o melhor possível.
Afinal, morreremos todos. Só precisamos definir como.
Eu quero fazer só o melhor possível.

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