Eu ainda era muito pequena, devia ter uns 8 ou 9 anos, quando me ocorreu pela primeira vez estranhas ideias sobre o mundo real.
Começou com uma caixa de sapatos e o Universo.
Não é um pensamento comum para uma criança imaginar o Universo. Mas acho que havia me causado uma certa impressão todas as vezes que meu pai contava aquela coisa da singularidade para eu dormir quando eu era menor.
...Era uma vez a Singularidade... Então aconteceu que a Singularidade explodiu. E as coisas começaram a existir. Num primeiro momento ficou tudo uma confusão, as coisas ainda não eram bem do jeito que a gente conhece, mas depois elas foram se agrupando e formando as estrelas e os planetas e nasceu o Universo...
Até aí, tudo bem. Podia imaginar uma coisa que não existia e que depois de explodir passou a existir e ser infinito. Afinal eu era uma menininha e de fato isto soa bem próximo a qualquer conto de fadas.
E então, um dia me disseram que o Universo se expandia. E iniciou-se a crise.
E eu pensei, mas não era infinito? Então o Universo, se expande para onde? Como uma coisa infinita pode se expandir? O que tem depois do fim do Universo?
Uma mente mais brilhante me disse que se expandia para o vácuo.
Mas que coisa este tal de vácuo! Ninguém me havia dito de onde ele tinha vindo ou o que estava fazendo ali, no fim do infinito.
Depois, numa tarde, andando de bicicleta imaginei que talvez a gente não entendesse bem o Universo porque estava dentro dele.
Foi aí que a caixa de sapatos me pareceu uma coisa sábia. Nem sei o porquê me imaginei dentro de uma caixa de sapatos. Isso mesmo, lá dentro da caixa, onde só poderia ver o que ela continha por dentro, pois quem está dentro não consegue imaginar o que existe fora. E meu Universo se tornou uma caixa de sapatos.
Daí foi fácil pensar em muitas outras caixas de sapatos. E imaginei muitos outros possíveis universos, tantas caixas de sapatos, onde não se via o que havia dentro, e de nosso magro ponto de vista, não víamos nem mesmo as próprias outras caixas. Era absurdo, mas ninguém podia dizer nada em contrário. Como faria para provar algo que existe em um contexto fora da existência conhecida.
Nada mais foi o mesmo depois daquele dia. As certezas todas acabaram.
E aí passei a imaginar coisas sobre mim mesma.
Pensei, e se eu mesma não fosse real, fosse uma outra coisa, uma memória, um filme, uma evocação. Se aquilo que eu penso, muitas vezes me parece tão palpável, o que garante que a realidade é de verdade, ou aquilo que eu conheço como o que existe de concreto realmente exista? E se eu fosse só o pensamento de uma outra eu mesma?
Digo que estas coisas eram bastante inusuais para uma menininha no fim dos anos 60. Minhas amigas não pensavam nestas coisas, nem imaginavam mundos paralelos ou universos em caixas de sapato. Elas eram muito seguras de existirem, apesar de que crianças desta idade ainda serem muito propensas a imaginar qualquer coisa.
Não, não tive uma infância comum. Meus pais se separavam bem naquele período. Preciso dizer que não fazia muito tempo que alguém havia caminhado na Lua, mas ser filho de pais separados era um grande tabu, especialmente se você estudasse em uma escola católica e se sua família fosse uma que frequentasse o Rotary Club.
Assim eu descobri que os filhos pagam bem caro as ações dos pais. E entendi que precisaria sobreviver ao isolamento social que isto representava.
Eu era a filha primogênita, a mais nova da minha classe e ao mesmo tempo me sentia e comportava como se já fosse crescida. No início de 1970 fomos morar com meu avô viúvo.
O mundo infantil tinha acabado e Deus já não era mais para mim como um velho barbudo que vivia nas nuvens.
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